Sol e reboques

Last updated on 10 de October, 2024

Ás 10:00 horas, em Samodães, o sol já se alojava nas costelas. Mas o trilho prometia: era tão bonito no ponto de partida que só o inicio já teria valido a pena. Porém, o PR2 Trilho Vinho do Porto é deslumbrante do princípio ao fim. Começa no adro da igreja de Samodães, onde um busto que celebra o ano Mariano de 1988 aponta para as curvas do douro com as suas encostas retalhadas

Durante aproximadamente 2 Kms, o percurso é maioritariamente a descer, por encostas íngremes e acidentadas sempre com o Douro aos pés, sinuoso, preso por socalcos muito verdes de vinhas e oliveiras. O rio é um painel de lousa pintado de giz azul-claro, o horizonte recortado por declives de linhas horizontais e verticais de vinhas, árvores de frutos e hortas. A atmosfera soube-me a infância, a verões na aldeia, a jogar a apanhada.

Chegado às bordas do rio, o trilho segue 1 Km a direito até ao Six Senses Douro Valley e, a partir daqui sobe, sobe, sobe, mas sobe tanto que sou obrigada a recorrer a uma redundância, para que fique claro: a partir do Six Senses Douro Valley, o trilho sobe mesmo a subir! Durante 4 Kms não pensei. Só senti: os ossos a pesar toneladas, a pele a derreter pelas costas, as células a fundir-se como plasticina. Senti-me como na primeira vez que fizemos o Trilho das Fragas Más:O ar era denso, difícil de inalar, sentíamos os brônquios mirrados, a carne das coxas a descolar dos ossos”. Fui a reboque do Paulo, como, quase sempre na vida, vamos a reboque dos amigos, dos colegas, dos vizinhos, sem saber para onde nos levam e sem refletir sobre onde queremos, nós, chegar.

Amiúde, parava para observar o caminho: o douro pintado a giz, aninhado em mantos de vinhas pitorescas, cascatas de telhados desgovernados, navios firmes a rasgas as águas cor do céu.

O último Km foi particularmente penoso: se não se ouvia uma foice a cortar mato, um gato a miar, uma panela de sopa a ferver no fogão, de mim também não se ouviu um pio, e da paisagem só guardei a textura das pedras da calçada romana, disformes de tantas vezes derretidas e, novamente, solidificadas. Valeu a pena! Teria sido um dia magnífico, se tivesse terminado ali, mas fomos à cidade carimbar o passaporte e trouxemos, na bagagem, ainda melhores recordações.

Depois de hidratados e reabastecidos, fomos carimbar o nosso Passaporte Douro ao Museu de Lamego: uma orquestra de tapeçaria, ourivesaria, pintura, cerâmica e mobiliário que tocam a história do século XIX. Instalado num paradigmático palácio setecentista, no centro histórico, o Museu de Lamego dispõe de acervo ímpar de peças que integravam o recheio do antigo palácio desde gravuras, numismática e meios de transportes. Numa perfeita simbiose entre a tradição e a história mais recente do município, o Museu abriga também bienais e exposições permanentes.

Com efeito, pudemos descobrir a Bienal de Fotografia Lamego e Vale do Varosa’24, o trabalho “Prados Azuis” de Luís Quinta e a exposição “Boas Raparigas” de Manuel Pinheiro da Rocha. E por estar sobre a gestão da Museus e Monumentos de Portugal, EPE, a entrada foi gratuita!

Os restantes carimbos que o Passaporte Douro reclama para Lamego, já tinhamos impressos nos nossos passaportes, o da Sé de Lamego, que pode ser obtido Loja interativa de Turismo, o do Santuário de Nossa Senhora dos Remédios e o do Bairro do Castelo. Todos estes locais são acessíveis por meio de transporte, mas vale muito a pena, a descoberta a pé. Sobretudo o Bairro do Castelo: a zona mais antiga da cidade de Lamego.

Aqui, podemos visitar a Torre do Castelo, a Porta dos Figos, a Casa do Artista e o Núcleo Arqueológico da Cisterna e da Porta do Sol. Sobranceiro a toda a cidade o Castelo ergue-se, digno e imponente sobre um esqueleto de granito e xisto, na cota de 543 metros acima do nível do mar. Aos seus pés, mora a muralha que aconchega a cidade antiga, protegendo as casas uniformes e as ruas estreitas. Não foi possível visitar a cisterna, por se encontrar encerrada, mas pudemos absorver a magnifica paisagem que a calçada romana desvenda, visitar a Bienal de fotografia, alojada na torre e carimbar o passaporte, num dia que foi, também, de sol!

Ana

 

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Partilhas, sátiras, reflexões, sobre as corridas do quotidiano e das metas a atingir.

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