Last updated on 24 de August, 2024
Após embrenharmos os pés em terra batida, temos a primeira panorâmica a exigir uma paragem: orquestras de giestas, tojos e urzes, deixam adivinhar uma pauta com linhas curvas e notas de um rio lânguido como um lago.
Este poderia ser um texto sobre os verões, na aldeia. Porém, as memórias que tenho das férias com os avós, são já escassas. Maioritariamente, desvaneceram, como estrelas cadentes. Mas há uma que se fundiu nas minhas células: a das viagens na furgoneta de caixa aberta que o meu avô conduzia, a romper a madrugada, rumo ao Mercado Abastecedor do Porto, pela Nacional 108.
Mesão Frio ficou assim, desde cedo, impresso nas minhas memórias. E foi lá que passamos o último fim-de-semana, na Quinta São José – Museu do Triciclo – uma aguarela impressa em encostas de videiras, oliveiras e ciprestes, com casinhas recuperadas, enfeitadas com molduras coloridas.
Ainda antes de nos instalarmos, fomos visitar uma das sugestões apresentadas pelo “Passaporte Douro” na secção de Mesão Frio: o Miradouro do Imaginário. Com vista desafogada sobre a paisagem vinhateira, o Miradouro do Imaginário é uma varanda para as colinas onduladas do Douro, com socalcos estreitos, e escadarias de vinhas, oliveiras e sobreiros que descem, em procissão, até ao rio.
Depois de instalados, demos início ao PR1 – Rota do Pico da Vila e começamos o périplo no próprio alojamento, a cerca de 1,5 Km do início do trilho. Fomos “carimbar” o Miradouro do Imaginário ao Posto de Turismo e conquistamos também o do Claustro do Convento de São Francisco, que descobrimos, do outro lado da rua. Em data imprecisa, os franciscanos construíram este convento de dois pisos, em cujo interior reside um claustro bem conservado que atualmente alberga várias repartições públicas do concelho de Mesão Frio. A entrada é gratuita.
Continuamos a descer, passando pelo edifício da Santa Casa da Misericórdia e chegamos a uma infraestrutura de significativa importância para o Município: “Supermercados Queirós”! De resto, os primeiros 4 Kms deste trilho são feitos, maioritariamente, de asfalto agredido preso a emaranhados de vegetação farta e confusa. Mas, depois de percorrida esta distância, todo o trilho é encantador. Após embrenharmos os pés em terra batida, temos a primeira panorâmica a exigir uma paragem: orquestras de giestas, tojos e urzes, deixam adivinhar uma pauta com linhas curvas e notas de um rio lânguido como um lago.
O trilho continua a subir e dilacera os brônquios, sem compaixão, mas recompensa com a vista formidável do Miradouro de São Silvestre: daqui avistam-se as encostas intensamente íngremes que caracterizam a região, com socalcos todos retalhados polvilhados com telhados uniformes. Do miradouro, seguimos pela Capela de São Silvestre e a Ester foi expiar os pecados!
O regresso foi a descer, por asfalto refrescado por cortejos de tojos amarelo garrido, estevas e zimbros a desvendar as curvas escarpadas das encostas do Douro.
Seguimos por Santo André não podemos evitar algumas breves paragens para alongar os músculos e fazer exercício contemplativos e interpretativos da paisagem carismática e inspiradora. Recordei-me do meu avô e de como gostava da cidade e sonhava com a utopia da modernidade e nunca imaginaria que um dia eu iria percorrer a pé, a estrada que tantas vezes subimos em direção à sociedade industrializada. Sempre a descer, pela rua do Centro de Saúde, chegamos novamente a Mesão Frio e subimos até ao alojamento.
Banho tomado e almas reabastecidas, fomos conquistar o carimbo do Centro Interpretativo do Barco Rabelo, localizado no espaço de uma antiga escola primária, em Vila Marim, junto à estação ferroviária da Rede. Num edifício rustico, como calorosamente recebidos pela guia que começou por nos mostrar inúmeros produtos da região só para exibição. Percorreu, depois, connosco, memórias dos homens da terra que, antigamente, transportavam o vinho da Região Demarcada do Douro para o Porto, em barcos rabelos e mostrou-nos um documentário sobre a preparação e desenrolar destas viagens muito mais atribuladas do que as que eu fazia na caixa aberta da furgoneta do meu avô.
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