Brandas

Last updated on 19 de October, 2020

Gosto muito da palavra “Brandas”. Lembra-me das pessoas afáveis e meigas. Gentis, como a minha amiga Cláudia, que fez anos ontem. A Cláudia não é branda na intensidade, nem moderada nos afetos. É uma guerreira, combativa, inconformada, sem barreiras nem subterfúgios. Genuína e transparente. Mas é extremamente meiga, ponderada e sensível. É branda nos juízos de valor, tolerante e compassiva.

Branda é também, na definição do Dicionário Priberam da Língua Portuguesa “Tapada ou pastagem no alto de uma serra, geralmente em terreno pouco inclinado e junto a um curso de água”. E a razão pela qual não estive com a Cláudia, ontem, no seu aniversário, foi ter fugido para as “Brandas de Sistelo”.

PR14 AVV – Trilho das Brandas de Sistelo a começar em Portela de Alvite

Fiquei a dormir com o Paulo e com a Ester na Casa do Ferreiro,  uma casa de contos infantis, perfeitinha e aconchegante, e decidimos apanhar, aí, o PR14 AVV – Trilho das Brandas de Sistelo.

Mesmo em frente à casa, mora o Parque de Merendas de Portela de Alvite que ostenta a sinalização de grande rota “GR”. Por ali fluem vários PR’s que passam em Sistelo, ponto de partida do Trilho das Brandas. Aliás, ainda antes de chegar a Sistelo, é possível atalhar para o Trilho das Brandas, mas queríamos começar pelo princípio: tomar café na Tasquinha “Ti” Mélia. E assim fizemos.

Descemos cerca de 1 Km por lajes escorregadias costuradas em mantas de musgo fresco salpicado de bolotas, à sombra de carvalhos, azinheiras e pinheiros.

Descemos cerca de 1 Km por lajes escorregadias costuradas em mantas de musgo fresco salpicado de bolotas, à sombra de carvalhos, azinheiras e pinheiros. Ao chegar ao entroncamento que indica o PR14 AVV – Trilho das Brandas de Sistelo para a esquerda, virámos à direita, decididos, à boleia do PR 27- Miradouro da Estrica, que nos levou a Sistelo. Estávamos conscientes de que teríamos de voltar para trás, mas sabíamos que valeria a pena atravessar a ponte medieval uma, e outra vez, e respirar o ar fresco do rio a descer veloz, escoltado por fartas copas de amieiros e freixos.

A chegada a Sistelo faz-se a subir por escadas com degraus de granito tosco e disforme, que assustam quando se sobem, por se saber que, a seguir, se vai descer. Com efeito, chegados a Sistelo e abastecidos na Tasquinha “Ti” Mélia, voltamos para trás, a partir do Km zero, até ao mesmo entroncamento, em que, 500 metros atrás, havíamos virado à direita.

Daí até à aldeia de Padrão o percurso é sempre a subir por lajes arredondadas forradas de musgo fôfo e cercadas de arbustos desgovernados e amieiros e carvalhos penteados. Antes de chegar a Padrão, encontramos a placa que indica que  o PR19-Trilho das Pontes se faz pela direita, mas o nosso, o das Brandas, foge para a esquerda e não nos enganamos. Seguimos pelo trilho correto e só paramos para enviar os parabéns à Claúdia Cunha.

A chegada a Padrão é feita num alcatrão pouco romântico que, porém, desvenda uma paisagem magnífica de socalcos geométricos muito verdes e bordas de pedras perfeitas. Acresce que é a partir de Padrão que o trilho nos faz sentir o sangue a correr nas veias, a boca a abrir de espanto, recuperar a fé na humanidade:

maciços rochosos forrados de várias gradações de verde, relevos vertiginosos estendidos vales profundos e largos, escadas de pedra rústicas, agrestes, até às nuvens.

maciços rochosos forrados de várias gradações de verde, relevos vertiginosos estendidos até vales profundos e largos, escadas de pedras rústicas, agrestes, até às nuvens.

Subimos até ao Alhal numa lição sobre vidas dedicadas ao cultivo e ao gado por carreiros tão duros como harmoniosos. Na Branda do Alhal, cortelhos restaurados e ordenados distribuem-se por vastas porções de pasto e feno. Virámos à direita na Ponte Corga de Lourenço.

Até à Branda do Rio Côvo o trilho é idílico: extensos prados de vegetação rasteira de várias cores e espécies e cachenas e garranas a pastar tranquilamente. Logo a seguir, o trilho entra numa área florestal de carvalhos e pinheiros muito altos e dignos, atravessados, primeiro, por tapetes de pedra de diversas formas, embrulhadas em cores de outono e , de seguida, por cobertores de folhas de vários tons de castanho, como os bosques das fabulas clássicas.

O regresso da Branda de Rio Côvo a Sistelo é mais um soco no estômago Encostas arrebatadoras  de pinhais e matos de vegetação abundante a bordejar as linhas de água do Rio Outeiro e o rio a jorrar pelas escarpas fora.

O regresso da Branda de Rio Côvo a Sistelo é mais um soco no estômago. Encostas arrebatadoras  de pinhais e matos de vegetação abundante a bordejar as linhas de água do Rio Outeiro e o rio a jorrar pelas escarpas fora. A descida até à aldeia é feita por teclas de granito particularmente escorregadias em dias chuvosos como o de ontem, a fazer lembrar a última manhã que passamos na Serra D’Arga e com um enquadramento igualmente soberbo.

É um trilho com bastante desnível mas acessível, com cerca de 8,5 Km mais 2 se começarem e acabarem em Portela de Alvite como nós. Não obstante estar bem marcado, é recomendável levar o track, porquanto se cruza com vários outros percursos e entre a Branda do Alhal e a Branda do Rio Côvo a sinalização é dispersa. De resto, é um percurso como a vida de muitos de nós: com altos e baixos, circular, sempre a voltar à estaca zero. Que resistamos à tentação de amargar e nos mantenhamos corajosos mas brandos, como a Claudia, que fez anos ontem.  

Total distance: 11762 m
Max elevation: 788 m
Min elevation: 229 m
Total climbing: 852 m
Total descent: -841 m
Total time: 03:55:20
Download file: Trilho%20das%20brandas_inicio_parquemerendas.gpx

Ana

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Sharing, satire, reflections on everyday life and the goals to be achieved.

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