Curto, mas prolongado

Last updated on 3 de December, 2024

O fim de semana foi, como sempre, curto, embora tenha sido prolongado, pelo que aproveitamos para visitar Vila Nova de Foz Côa.

Chegamos na sexta-feira e começamos o trabalho de carimbar o “Passaporte Douro” no Museu do Côa que já conhecíamos, mas que revisitámos com agrado. O Museu do Côa é uma conversa com as nossas raízes, uma reflexão sobre a humanidade, sobre o que fomos e como aqui chegamos. Aqui encontramos a modernidade ao serviço da história para nos contar, de forma interativa e dinâmica, o modo de vida ancestral dos povos e explicar a arte rupestre à luz das características específicas da região.

 

Das várias etapas pelas camadas da história, uma das minhas preferidas é a final, na sala que exibe um documentário sobre como centenas de crianças e jovens convictos, com o apoio da comunidade, conseguiram colocar Foz Côa no topo das prioridades políticas e travar a construção de uma barragem em favor da preservação das gravuras rupestres descobertas no Vale do Côa.

Nessa sala existe uma transcrição que me agrada muito: “Muita gente pequena, a fazer coisas pequenas, pode mudar o mundo”. Não que eu pretenda mudar o mundo ou o que quer que seja. Mas recorda-me de que, mais do que queixar-me e criticar, tenho de contribuir para a realidade em que quero viver. E muitas pessoas sem influência, a fazer coisas pequenas, repetidamente, podem mudar o rumo de empresas, famílias, comunidades.

Saímos do museu perto das 17 horas a tempo de ver o sol pôr-se na planície e fazer os Passadiços do Côa sobre um céu indeciso entre as cores quentes de Outono e a escuridão das noites chuvosas.

 

No Sábado de manhã, tomamos o pequeno-almoço e fomos ao Centro de Informação Turística colocar o carimbo no espaço reservado à embarcação “Senhora da Veiga”: trata-se de uma réplica de um barco rabelo que leva e traz passageiros entre a Régua e Barca D’Alva e que vale muito a viagem. Contudo, já conhecíamos, pelo que aproveitamos o dia para fazer um trilho.  Das hipóteses possíveis, optamos por um trilho não homologado, sem track disponível e com poucas marcações: estava-me mesmo a adivinhar que ia acontecer o mesmo que ocorreu na Serra D’Arga em que nos perdemos e tivemos de inventar trilhos para regressar! O Trilho escolhido foi o PR3 VLF – Da Poboa às Barca. O percurso inicia-se no Centro de Informação Turística, onde nos encontrávamos e segue em direção ao centro da cidade. Passa pela Rua de S. Miguel e atravessa o Largo do Tablado até à Praça do Município. É aqui possível visitar a Igreja Matriz, e espreitar a paisagem visível do Pelourinho. O trilho desenrola-se, a partir daí, pela rua de Santa Quitéria até à Rua da Barca (antigo caminho de ligação às Barcas do Côa), sempre com marcações.

 

Até aos 3,5 kms, o percurso é construído maioritariamente de asfalto, embutido em paredes de xisto que seguram correntes de azinheiras, oliveiras e amendoeiras. Terminado o asfalto, imediatamente a terra batida encontra o caminho para o rio Douro e a vista repousa nas encostas recordas de vinhas trabalhadas, que se despencam nas águas azuis-esverdeadas.

Até à Central Hidroelétrica de Pocinho, fomos sempre a correr com a Ester, acolhidos por mantos de videiras trajadas de cores de Outono. Antes de avistarmos a Central Hidroelétrica de Pocinho vimos a ultima sinalização de percurso pedestre e seguimos o caminho mais óbvio. O caminho levou-nos a mergulhar em ondas socalcos habilmente trabalhados, testemunho da interação harmoniosa entre o homem e a natureza. Toda a descida até ao Pocinho é efetuada entre parcelas de olival e de vinha, passando quase no final, ao lado do complexo do Centro de Estágio de Alto Rendimento do Remo, muito bem enquadrado na paisagem.

Antes de chegarmos ao cais fluvial entramos, sem consciência, em propriedade alheia e fomos convidados a sair o mais rapidamente possível. Explicamos que nos tínhamos perdido, mas o proprietário não quis escutar explicações e encaminhou-nos para a estrada que nos levou à Estação Ferroviária do Pocinho. Atravessamos a estação e só ao chegar ao fim do trilho, na Zona de Lazer das Frieiras, é que voltamos a encontrar sinalização. Sentamo-nos uns minutos a recuperar o fôlego a e absorver todos os tons de verde daquelas encostas fartas a precipitarem-se no rio. Após alguns minutos de descanso, iniciamos a percurso de regresso.

Encontramos, porém, a mesma dificuldade de localizar marcações. Questionamos algumas pessoas que passaram por nós, mas ninguém parecia compreender do que falávamos. Não podíamos voltar a fazer mesmo percurso para não invadir propriedade privada, mas, de alguma forma, tínhamos que regressas ao trilho: subimos uma ravina! Cada passo era um convite a falhar o pé e a desabar no alcatrão. A inclinação era tamanha que nem se via o céu. Fomos subindo e eu pensava em como Vila Nova de Foz Côa se assemelhava tanto a outros municípios do Douro a ser terraplanados e invadidos por mansões de proporções consideráveis, muitas transformadas em alojamentos de preços incomportáveis, à revelia de uma população rica em carências e sem qualquer investimento na manutenção de percursos pedestres. Um pé aqui, uma mão ali e chegamos o trilho que tínhamos percorrido, junto à última marcação de que nos recordávamos. Tentamos compreender onde nos tínhamos enganado, mas suponho que aquela seria mesmo a última marcação existente.

Amiúde, íamos parando só para absorver a paisagem sem a prisão das rotinas repleta de obrigações financeiras, burocráticas, familiares, que cumprimos desde que nos levantamos até à noite, como se a vida fosse uma atividade fabril. E chegamos ao fim do trilho, que apesar de ter sido mais prolongado do que esperávamos, se revelou, na verdade, curto.

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Partilhas, sátiras, reflexões, sobre as corridas do quotidiano e das metas a atingir.

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