Last updated on 10 de October, 2024
A ideia de ir, Domingo, a Vila Real, foi minha, motivada pelo propósito de conhecer a cidade e, naturalmente, obter mais alguns carimbos no meu passaporte. Como vem sendo regra, pude contar com a companhia do Paulo e, desta vez, não fomos só os dois. Conosco, foi o meu amigo (igualmente) Paulo, que raramente aceita justificações para as minhas desculpas e a Sandra (projeto 55) que apresenta sempre desculpas para as minhas justificações.
O passaporte recomenda visitar, em Vila Real, a “Casa de Mateus”, a Sé de Vila Real, o Parque do Corgo e a “Vila Velha” – foi por aqui que começamos. O Museu de Vila Velha, elemento central do património edificado da cidade de Vila Real, é abrigo de significativos achados arqueológicos e integra um espólio notável de objetos da Idade do Bronze até à época contemporânea.
Com criatividade, o Museu consegue perpetuar a memória histórica da Vila Velha, o núcleo embrionário de Vila Real, com a exibição e explicação do significado de objetos arqueológicos, reproduções de documentos, gravuras e plantas. Erguido num edifício sóbrio e sereno, com vistas soberbas para as escarpas do Corgo, o Museu integra uma biblioteca e uma sala de exposições na qual tivemos a possibilidade de descobrir Agostinho Santos, através da exposição “Sol, Mar e Flores”. Com pinturas e esculturas de várias técnicas e materiais, gostei particularmente da liberdade artística fora de arquétipos e convenções e senti-me num país tropical.
A exposição apelava a natureza e saímos do Museu, diretamente para o trilho dos Passadiços do Corgo, com a extensão aproximada de 1.600 metros, estendido nas margens do Rio Corgo, que atravessa Vila Real. Ainda que coroado pelo tecido urbano da cidade, o Trilho dos Passadiços do Corgo desenrola-se aos pés de encostas vertiginosas ricas em vegetação, cascatas e açudes que nos transportam para um ambiente de montanha. Na passagem pela Vila Velha, a entrada no trilho faz-se por uma descida de paralelepípedos que desvenda uma gigante encosta com rebanhos de carvalhos e vidoeiros frescos como a água do rio.
Atravessada uma porta colorida que só permite a passagem de almas estreitas, a vista mergulha nas águas verde-garrafa do Corgo que deslizam por balizas de granito. Entramos, então, nos passadiços que se desdobram em 750 de tábuas de madeira, que tão depressa descem como se erguem em degraus com apoio, convidativos à contemplação.
Todo o trilho é uma janela para muralhas rochosas de sugar o fôlego, embrulhadas em cachecóis de pinheiros e vidoeiros, giestas e urzes, lilases, brancas, amarelas. Finalmente os passadiços proporcionam uns escassos metros de terreno sem declive, e permitem a travessia do rio pelas bordas de um açude centenário que é a origem de uma cascata impressionante. Da ponte, é visível o lugar onde se situava a central hidroelétrica do Biel e a linha férrea vertical, que tinha início no miradouro da estação.
Antes de terminarem, os passadiços disponibilizam ainda um pequeno refúgio de memórias e esperanças com vistas de fazer parar o tempo. No sentido em que o fizemos, o trilho termina no Parque do Corgo e só há duas alternativas: ou voltar para trás e fazer o mesmo percurso ou seguir pelo Parque do Corgo e regressar pela cidade. Sem baixar nenhum track e sem a existência de qualquer sinalização de percurso pedestre, entramos no Parque do Corgo e fomos caminhando, junto ao rio.
Com 33 hectares vocacionados para o lazer, o parque não só é profícuo em superfícies verdes e inúmeros tipos de rochas e formações geológicas, como integra também intervenções artísticas de diferentes autores. Permite ainda vislumbrar alguns dos edifícios mais significativos do tecido urbano de Vila Real, bons pontos de referência para chegar ao Posto de Turismo e Visitar a Sé.
Fomos então vagueando sem pressão, sem ideia definida do caminho, sem necessidade de tomar decisões concretas, encontrar soluções para os obstáculos diários, sem ter de prever qual a melhor estratégia para conquistar o cliente que quer desistir do negócio, qual a solução para a falta do documento, qual o percurso com menos transito. Sem ter de ter ideias para aumentar as vendas, para enriquecer o curriculum, para fazer o jantar. Deixamo-nos levar como andorinhas a voar sobre os telhados, até à Avenida Carvalho Araújo, na qual mora a Sé e trabalha a loja de Turismo. Começamos por esta e reivindicamos os nossos carimbos alusivos ao Parque do Corgo e à Sé Catedral de Vila Real. Atravessamos a rua e fomos visitar a Sé, um monumento de traços góticos, mas cunho românico, que é uma viagem através dos séculos. Com arcos imponentes, e vitrais deslumbrantes, a Sé impressiona também pela exibição de um órgão sinfónico com quatro teclados numa fusão de modernidade e séculos de história.
Visita à Sé concluída, fomos à Confeitaria Gomes, a poucos metros, descobrir outros tesouros da cidade como os covilhetes acabados de fazer e as cristas de galo. Faltava-nos um carimbo: o da Fundação da Casa de Mateus. Estacionamos quase em frente e ficamos impressionados logo à entrada. Pode ler-se no website que “A missão da Fundação passa pela interseção entre património histórico, natural, artes e inovação para promover a valorização dos instrumentos culturais e ação local na resolução de questões globais”.
Na entrada, junto à portaria, observamos o preço das visitas. Compreendemos, de imediato, que a visão da fundação não alcança a realidade da generalidade das famílias portuguesas, e se coaduna mais com os bolsos dos turistas. Carimbaram-nos o passaporte sem perguntas nem incentivos e hesitamos em comprar ou não bilhetes. Não compramos, mas, possivelmente, voltaremos e faremos uma visita, aos jardins da fundação e à cidade de Vila Real que tão bem nos acolheu.
Ana.
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