A previsão era de mau tempo, com chuvas fortes e trovoada. Mas o dia despertou ameno e arrancou-nos, cedo, da cama. Já tínhamos, aliás, combinado ir com o Pedro fazer um dos percursos que o “Portugal Outdoor Experience” prevê abrir até ao fim do ano e, assim, rumamos até à aldeia Mafómedes, distribuída por uma encosta do Marão, na União de Freguesias de Teixeira e Teixeiró, onde Baião empurra Mesão Frio.
Seguimos pela Nacional 108 que é uma aula de história e uma sinfonia de cores e texturas: declives imensos de todos os tons de verde e castanho, figuras geométricas perfeitas de vinhas, temperadas por fartas copas de cedros e oliveiras e aquele azul-turquesa do Douro, ora mais verde, ora mais azul.
Para mim, foi também o recuperar das recordações de outro tempo: o das viagens com o meu avô, na furgoneta, a trepar esta mesma estrada, para passar o Verão na aldeia, a cantar músicas com letras improvisadas no momento. Valeu a pena cada curva do caminho para chegar a Mafómodes.
Calma, que temos tempo! As marcas da passagem do tempo. Mafómodes Abastecimento de luxo!
O percurso que fizemos foi o mais curto, do conjunto de alternativas que o Portugal Outdoor Experience pretende lançar: 10 Km mal contados, mas com muitas histórias e as paisagens arrebatadoras do Vale do Rio Teixeira. Descemos até à praia fluvial pelo empedrado das povoações da freguesia, ao ritmo das badaladas da igreja paroquial confortados pelo aroma dos assados no forno e acarinhados pelos fregueses afáveis e curiosos que nos abordavam e incentivavam. Entramos depois em trilhos sinuosos de imponentes vales abertos com cumes a impor-se para lá das bordas dos horizontes que a visão abarca. Com o sol a espreitar, mergulhamos em ondas gigantes de salgueiros, amieiros e carvalhos e toda a espécie de flores campestres de todas as cores.
Por momentos, a ansiedade do “desconfinamento”, desvaneceu. Sim, do “desconfinamento, porque se há mal que me apoquenta, não é a pressa de conviver, de encher esplanadas, povoar estádios em noite de concertos, engrossar as filas de trânsito e suar nos corredores dos shoppings. A minha vida, como a de muitos, não vai poder voltar tão cedo às atividades sociais comuns e mais do que as restrições para atravessar a ponte, atormenta-me a avalanche de necessidades de convívios e atividades em que não vou poder participar. Preocupa-me todo um chorrilho de situações que o levantamento das medidas impostas pelo atual estado de emergência, o chamado “desconfinamento”, não vai resolver. Mas naquele mar de pinheiros bravos, de jancintos e carqueijas, naquela explosão de verdes, roxos e amarelos, a única preocupação foi conseguir absorver toda a enchente de natureza em que estávamos mergulhados.
Até a Ester se espantou com o panorama!
Livres das guilhotinas do relógio e das ditaduras das rotinas, descobrimos bosques e matagais, húmidos e muito frescos, abrigos bucólicos, vergados pelo peso da idade, mas muito firmes e travamos amizade com o Senhor Fernando que conhecemos a apanhar feno e nos levou de volta a Mafómodes, a conhecer as suas cabras.
Viemos pela mesma estrada, ao encontro das mesmas rotinas e preocupações. Estava tudo na mesma, mas diferente, porque nos deixamos transformar pelas paisagens que respiramos, pelas histórias que ouvimos e pela forma mais vagarosa de contar o tempo.
Ana